"Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins"
Ítalo Calvino, As cidades invisiveis

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

As Cidades e os Sonhos 2: Veneza

Sonho com muitas cidades. Cidades grandes e pequenas, reais e imaginárias, cidades belas e feias, cidades de pedra ou cidades leves, de “espessura opaca e fictícia”. As cidades com que sonho fazem-se a si mesmas, reúnem-se em um colar como contas de âmbar, cidades inumeráveis, cada qual com sua particularidade. Entretanto, de todas as cidades sonhadas, belas ou feias, brilhantes ou caóticas, ilustres ou desconhecidas, nenhuma jamais conseguiu me encantar tanto quanto uma pequena cidade aquática chamada Veneza. Os canais de Veneza canalizam meus desejos e fantasias, atraem meus olhares, prendem minha atenção, tiram-me o fôlego, e por mais que eu tente é impossível escapar desse encanto... Por mais que meus desejos me levem a outras cidades, por mais que sonhe com a delirante Nova York, com a imperiosa Roma, com a velha Londres, com a sedutora Paris, quando estou feliz e desatento, quando respiro a brisa do começo de primavera e o ar traz o aroma de frutas maduras, quando fecho os olhos em meio ao barulho, à fumaça, à fuligem e à feiúra, e por um momento estou em paz, sinto-me imediatamente em Veneza, caminhando pelas pedras lodosas de Veneza, ou deslizando de gôndola pelos canais de Veneza, ou observando os canais debruçado sobre os balcões dos palácios de Veneza, e não importa onde eu realmente esteja, não importam o barulho, a fumaça, a fuligem, a feiúra, os assaltos, as fofocas, não me importa nada, porque naquele momento, olhos fechados e coração em calma, estou em Veneza, e tudo o que vejo, ouço, sinto e respiro é Veneza...

Do lado de fora das minhas pálpebras ainda existem o barulho, a fuligem, e a feiúra, mas com os olhos fechados, nada parece mais real do que residir no encanto de Veneza. Por mais estranho e impossível que pareça, espero ainda pelo dia em que se produzirá o fenômeno inverso. Por isso, continuo a fechar minhas pálpebras em meio à fuligem e à feiúra, em meio ao barulho e à náusea, aguardando sempre pelo dia em que, ao abrir os olhos, a realidade me trará Veneza.

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