"Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins"
Ítalo Calvino, As cidades invisiveis

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

As Cidades e os Sonhos 1: Paris


Paris, cidade luz, sempre foi para mim uma cidade dos sonhos, com seus cafés, suas largas avenidas, suas ruelas estreitas, suas pontes, seus jardins, suas fontes, a grande torre de ferro, os suntuosos palácios dos reis, a pirâmide de vidro, a fortaleza convertida em prisão, uma praça em uma ilha, a grande catedral com sua abóbada de pedra, de onde monstros também de pedra, observam as pessoas com seu semblante ameaçador... A atmosfera está permeada por acontecimentos da memória de Paris, e a cidade faz questão de exibir seu passado, seja nas fachadas dos palácios e catedrais, nos museus, nas estátuas, nas placas comemorativas ou nos monumentos de guerra.

Meus olhos passeiam por Paris e surpreendem seus personagens. Em uma calçada há um pintor dando cores às águas do Rio Senna, enquanto outro pintor registra os rostos de Paris, as faces com que a cidade se mostra para o mundo: nesse momento ele se concentra em um café, onde um casal de namorados se olha apaixonadamente nos olhos, porque, nesse momento, nesse lugar, as palavras são inúteis. Do outro lado da rua uma moça passa com um manhoso cachorrinho em uma coleira, ouvindo com olhar perdido a canção que um velho músico toca no realejo, sem prestar atenção ao moleque que, ao seu lado, vende flores, enquanto uma cigana morena, com sua longa saia rodada e grandes argolas nas orelhas, lê a sorte dos passantes e prevê fortuna para uns, amor para outros, viagens, nascimentos, e mudanças.

Basta fechar os olhos e penso estar percorrendo as ruas de Paris, explorando suas perspectivas, como o amante que explora o corpo do ser amado, roubando-lhe o segredo como quem rouba um beijo. É tarde, o céu começa a escurecer. Agora todas as suas luzes estão acesas, e a cidade ganha o aspecto de céu estrelado... A noite cai também nos corações de Paris: a lua é testemunha fiel das confidências dos namorados nos bancos das praças e, basta chegar a madrugada e logo os protagonistas da cidade noturna surgem, ocupando as ruas, praças e bordéis: os libertinos, os bêbados, as meretrizes, os amantes que se entregam ao último beijo antes de partir...

Penso em todas essas coisas quando falo em Paris. Evoco sempre essas mesmas imagens, metáforas, discursos e perspectivas. Não sei dizer que tipo de encanto, ou feitiço, ou magia é essa que envolve Paris, e me transporta para a cidade em todos os meus sonhos, onde eu me embriago de fantasias enquanto procuro desvendar seu mistério. Talvez Paris não seja exatamente como imaginei. Talvez a cidade idealizada não corresponda à verdadeira Paris, mas sim a uma Paris de outra época ou de outro lugar; ou talvez a cidade de meus sonhos seja a verdadeira Paris, e a outra uma cidade falsa, uma usurpadora. Não sei o que acontecerá quando eu encontrar a verdadeira Paris; às vezes tenho medo de que, indo até lá e vendo-a tal como ela é realmente, o encanto que a cidade exerce sobre mim se desfaça, e ela deixe de ser aquela que construí, ponto por ponto, em meus sonhos, e a cidade sonhada desapareça, como a poeira soprada pelo vento.

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