"Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins"
Ítalo Calvino, As cidades invisiveis

terça-feira, 4 de junho de 2013

As Cidades e o Caos 1: Alina


Entre montanhas escarpadas, assentada em um profundo vale está Alina, cidade dos mais diversos sons. Seria impossível passar por esta cidade e não ser tocado pela confusão que cerca suas ruas e avenidas. Vias estreitas, veículos incaláveis, centenas de pessoas se acotovelando nas ruas, sem ao menos se cumprimentar. Poder-se-ia dizer que as sirenes se assemelham a gritos de socorro. Durante o dia as calçadas se enchem de pessoas e as ruas de veículos gerando um burburinho insuportável, mas que é impossível evitar. Caminhando pelas ruas é preciso não dar atenção aos olhares tortos e palavras ríspidas, e, ao mesmo tempo, ficar atento para não ser surpreendido pelos ladrões, que correm entre a multidão como ratos assustados. Quando a noite cai, surgem outras personagens em cena, e a cidade se enche de outros sons: risos, música, gritos, exclamações e impropérios que rompem a calada da noite. É a vez dos bêbados, vândalos, libertinos, suicidas, desesperados... A cidade ganha um aspecto novo, e torna-se um novo palco para o espetáculo da lascívia, da balbúrdia, do tumulto...

Em meio a tanta confusão, é difícil dizer o que é normal e o que não é: o caos do dia e da noite se misturam, se somam e se multiplicam, formando um conjunto aparentemente indecifrável de sons e imagens , algumas perturbadoras. Mas se engana quem pensa que conhece Alina por esses dois aspectos. Quem tem a oportunidade de visitar a cidade no começo da manhã, quando o céu ainda está escuro, mas o sol nascente já derrama no horizonte reflexos de um rosa pálido, esbarra em outra cidade, é surpreendido por outros sons: o assovio cadenciado do trabalhador, que se arrasta para a fábrica, o riso das crianças que, em fila, atravessam as ruas até a escola, a canção do padeiro, e o bom dia cantado, com sorriso franco, pela lavadeira...

Alina, cidade caótica, é chamada por alguns a “Princesa do Império”: há quem discorde, mas quem disse que a beleza é composta apenas de perfeição?